Voltaire
Dicionario Filosofico
Contrato tácito entre duas pessoas sensíveis e virtuosas. Sensíveis porque um monge, um solitário, pode não ser ruim e viver sem conhecer a amizade. Virtuosas porque os maus não adjungem mais que cúmplices. Os voluptuosos careiam companheiros de devassidão. Os interesseiros reúnem sócios. Os políticos congregam partidários. O comum dos homens ociosos mantêm relações. Os príncipes têm cortesãos. Só os virtuosos possuem amigos. Cétego era cúmplice de Catilina. Mecenas era cortesão de Otávio. Mas Cícero era amigo de Ático. Que estabelece esse convênio entre duas almas ternas e honestas? As obrigações são mais ou menos intensas consoante a sensibilidade de uma e de outra e o número de serviços prestados, etc. O entusiasmo da amizade foi mais forte entre gregos e árabes que entre nós. São admiráveis as histórias que teceram esses povos em torno deste sentimento. Não temos iguais. Somos em tudo um pouco secos. A amizade era objeto de religião e legislação entre os gregos. Os tebanos tinham o regimento dos amantes. Magnífico regimento! Houve quem o tomasse por um regimento de sodomitas. Engano: seria tomar o acessório pelo essencial. A amizade era prescrita na Grécia pela lei e pela religião. Infelizmente tolerava-se a pederastia. Aliás: toleravam-na os costumes. É preciso não imputar à lei abusos vergonhosos. Voltaremos ao assunto.
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