sábado, julho 1

A nova Arial

Em 1983, a typefoundry Monotype lançou Arial, uma fonte digital para impressão a laser. Naquele tempo, Helvetica era uma fonte padrão nas lasers e a Arial surgiu para ser um clone mais barato da Helvetica. Arial foi desenhada para se encaixar exatamente no mesmo espaço da Helvetica, letra por letra, a fim de permitir a substituição de impressoras sem alterar o fluxo de texto nas páginas. O desenho dos caracteres da Arial, bem mais rústico que o de Helvetica, foi minuciosamente "tunado" para compensar a baixa qualidade de reprodução das lasers de então. A Microsoft incluiu Arial no conjunto de fontes básico do Windows 3.1, em 1993. Posteriormente, Arial foi promovida a Web Core Font, o que lhe deu status instantâneo de celebridade tipográfica na Internet. Nos anos seguintes, uma legião de pessoas de todos os ramos de atividade adotou Arial como fonte única para todo tipo de trabalho. A combinação da onipresença do Windows com a disponibilidade de ferramentas de design para leigos resultou na monopolização e supersaturação do espaço visual por trabalhos feitos em Arial. Certamente foi um destino que o criador da fonte, Robin Nicholas, não tinha como prever para ela. O desenho da Arial é adequado para impressoras laser de 300 dpi e monitores de 72 ppi, mas não para faixas, letreiros, anúncios, logos e textos em publicações. Arial tem sido constantemente condenada e ridicularizada por designers gráficos, tanto pelos seus atributos visuais como pela sua história controversa e pelos abusos na utilização.

Com o sucesso comercial da Arial, a Monotype (adquirida pela Agfa) lançou versões Unicode e versões adicionais suportando múltiplos idiomas, além de novas variações de pesos, tornando-a uma das fontes mais versáteis para uso em computação. Mas a Microsoft reconheceu um potencial não realizado da visualização e legibilidade de fontes em computadores, e encomendou ao designer Matthew Carter novos tipos que tivessem melhor leitura e maior qualidade estética. O resultado foi uma família de fontes da qual os membros mais proeminentes são Tahoma e Verdana. A segunda é uma versão mais recente e mais estreita da primeira; Verdana é usada em milhões de websites e Tahoma é a atual fonte padrão do Windows.

A Monotype ainda teve a audácia de clonar Palatino, a obra-prima do calígrafo e tipógrafo alemão Hermann Zapf. Ele protestou furiosamente contra o clone, chamado Book Antiqua; a Microsoft o apaziguou licenciando também a Palatino. Só que manteve, de forma um tanto bizarra, Book Antiqua no rol de fontes do Office, talvez a título de manter a compatibilidade com documentos criados nessa fonte.

Abram alas para a nova Arial

Chegamos enfim à polêmica do momento. Segoe UI, a fonte oficial do Windows Vista, é uma adaptação para a tela do PC da atual fonte corporativa oficial da Microsoft, Segoe, licenciada da Monotype. (UI significa User Interface.) Pois a primeira coisa que chama a atenção sobre Segoe é que se trata da um clone idêntico, uma chupinhação descarada da fonte Frutiger, desenhada pelo venerável artista gráfico suíço Adrian Frutiger e publicada pela Linotype em 1976.
Quando a Microsoft substituiu Franklin Gothic por Segoe em sua comunicação visual, há dois anos, ninguém comentou nada; afinal, parecia óbvio que a fonte usada era Frutiger, a favorita dos bancos e instutuições que buscam parecer sérias e modernas. Mas quando apareceram os primeiros betas do Windows Vista (então chamado Longhorn) exibindo nas janelas e menus uma fonte chamada Segoe UI e creditada à Agfa Monotype, um punhado de designers gráficos se ergueu em indignado protesto. Um desenvolvedor da Microsoft se defendeu afirmando que o design de Segoe se diferencia e vai além de Frutiger, pois contém caracteres itálicos autênticos e não apenas as letras normais inclinadas no lugar de itálicas. Essa alegação é ignorante ou de má-fé, pois a versão atual da Frutiger - Linotype Frutiger Next - contém um conjunto de itálicas verdadeiras e foi lançada em 1997, oito anos antes de Segoe.

Temos aqui um caso lamentável de plágio reincidente: Segoe UI, Arial e Book Antiqua são todas cópias de criações alheias, sempre produzidas pela Agfa Monotype e sempre adotadas pela Microsoft, presumivelmente para não pagar royalties pelas versões originais. No caso da Arial, o criador de Helvetica (o suíço Max Miedinger) não estava mais vivo para se defender. Já Hermann Zapf teve a compensação de ver sua fonte original licenciada. E Adrian Frutiger, com 77 anos porém muito atuante no ramo da tipografia, como fica? Cusiosamente, todos os designers copiados são europeus, e tanto a Agfa quanto a Linotype têm sede na Alemanha. Outro detalhe intrigante: nos Estados Unidos o copyright sobre fontes só protege o nome da fonte, não estabelecendo nenhum direito sobre os desenhos das letras.

O design de Segoe, por ter uma referência de alto nível técnico e estético, é afortunadamente superior ao de Arial. Mas em termos de mérito moral, ela já está sendo linchada [link em alemão] no mundo do design.

De tanto fuçar, encontrei a informação que elucida o mistério de como a Microsoft conseguiu se meter nessa confusão. A nova identidade visual da Microsoft foi elaborada por uma agência chamada Ascender Corporation, que é o nome comercial de um ex-designer da Agfa Monotype chamado Steve Matteson. A página também informa que ele participou da conversão de Arial para o formato TrueType. Mais digna de nota no portfólio desse sujeito é a identidade visual da Agilent, uma spin-off da HP. Pois bem, a fonte corporativa da Agilent é um clone de... Univers, que também é de autoria de Adrian Frutiger! E também foi "desenvolvida" na Agfa Monotype!

A cara-de-pau é infinita. A fonte em questão, além de não ter nada de exclusiva, é uma das mais populares do planeta. Os diretores da Agilent precisam ter sido muito míopes para cair nessa. Mas como julgar então a Microsoft, que já "caiu" alegremente três vezes? Qual é a necessidade de uma corporação bilionária se arriscar à execração pública licenciando repetidamente fontes chupadas de outras, prática que não é mais do que um gênero bastante visível de pirataria? E com que moral a mesma corporação se lamenta pelos piratas de software, se no design do software utiliza outros pesos e outras medidas?

Como andam as coisas na Apple

Não é nada fora do comum imaginar que a Microsoft recorreu a um clone de Frutiger para sua nova imagem corporativa simplesmente porque, pouco antes, a
Apple adotou uma fonte similar a Frutiger. E de fato, a Apple adotou em 2002 a Myriad, da Adobe, em substituição à datada Apple Garamond. Myriad teminfluência óbvia de Frutiger, embora ainda se possa distinguir as duas sem muita dificuldade. Alguns designers pensam diferente e não vêem em Myriad nada além de mais uma cópia de Frutiger. A versão condensada de Myriad é a fonte oficial da Adobe há pelo menos 15 anos. Segoe tem em comum com Myriad os pingos redondos nas letras "i" e "j", que em Frutiger são retangulares.

As interfaces do Mac OS X e dos iPods com tela colorida utilizam uma variação de Lucida Sans (disponível também no Windows), não Myriad. Nos corpos diminutos em que aparecem na tela, as duas fontes são suficientemente parecidas entre si para que eu me pergunte porque não optaram logo por apenas uma delas para todos os usos.

texto original obtido neste site

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