quinta-feira, março 1

A BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA BAHIA: A PROPÓSITO DO ACERVO, por Albertina Ribeiro da Gama

aqui vai uma descrição por Albertina Ribeiro da Gama do acervo precioso da biblioteca do Mosteiro de São Bento, na Bahia. desnecessário dizer que esta instituição é mais uma das dezenas de instituições brasileiras que se negam a responder e-mails de pesquisadores como eu, que já lhes enviei tres, interessado que sou neste assunto da conservação e criação dos tipos em terras brasileiras...

ACTA UNIVERSITATIS PALACKIANAE OLOMUCENSIS

FACULTAS PHILOSOPHICA PHILOLOGICA1

A BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA BAHIA: A PROPÓSITO DO ACERVO

Albertina Ribeiro da Gama


INTRODUÇÃO

"Como astro em meio às trevas da noite, fulgura radioso Bento2 de Núrsia, glória não só da Itália, mas de toda a Igreja".

"Venerar os mais velhos, amar os mais novos", prescreve São Bento aos seus discípulos, na Regra dos Monges.

O Mosteiro de São Bento da Bahia (M.S.B.BA) é o primeiro Cenóbio Beneditino do Brasil e a primeira abadia do continente americano. Em se tratando de implantar a Ordem de S. Bento no Novo Mundo, nas terras sul-americanas, compartilhavam os Beneditinos das intenções e interesses das Ordens então existentes em Portugal.

Êmulos, principalmente, dos padres Jesuítas (1549), quer na expansão da boa doutrina, quer na catequização do gentio, foram eles os segundos que aportaram à Bahia. Foi em 1575 o verdadeiro natalício do M.S.B.BA. Em 1581, entre os oficiais signatários, que nessa ocasião presentearam a Ordem Beneditina, figurou o historicamente célebre Gabriel Soares de Souza.

A biblioteca do M.S.B.BA apresenta, hoje, o segundo maior acervo de livros raros, depois da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O desenvolvimento dessa biblioteca tornou-se possível devido às doações de livros oferecidos pelas famílias baianas, de doações constantes de escritores e de inúmeras compras feitas pelos próprios monges, para atenderem à formação monástica. O que determina a especialização dessa biblioteca é a contínua aquisição de materiais bibliográficos que versam sobre Teologia e Religião.

A PESQUISA

Na primeira etapa da pesquisa obteve-se um resultado satisfatório, porém um pouco abaixo do esperado, dadas as dificuldades em relação ao acesso aos manuscritos, todos eles arquivados na clausura do Mosteiro. Salienta-se, todavia, que graças à colaboração incansável da bibliotecária do Mosteiro, Célia Maria Bispo dos Santos, que não mediu esforços para atender às solicitações da pesquisadora, pôde realizar-se algo de substancial no trabalho. Infelizmente, as descrições relativas às obras aqui apresentadas tiveram de ser reduzidas.

Índices numéricos e analíticos

São cerca de treze índices que arrolam assuntos relativos à documentos manuscritos, ou não, datados a partir de 1705 a 1973. Os manuscritos tratam de aforamentos, arrendamentos, contratos, batizados, matrimônios, óbitos, traslados, arrolamentos de escravos de fazendas, atas, certidões das missas dos encargos da Congregação, receitas, cartas, laudêmios, sermões, partilhas, correspondência de monges, ofícios celebrados na igreja abacial, laudes de Natal, vésperas, matinas, salmos, votos, vidas de monges, ladainhas, calendários religiosos, memorial do M.S.B.BA, bulas e breves papais, indicação do conteúdo de pastas e caixas arquivadas. Os documentos não manuscritos são recortes de jornais, folhetos, microfilmes, convites, croquis, estampas, fotografias, álbuns, películas, a questão da pedra tumular de Gabriel Soares de Souza, a história das terras deixadas ao Mosteiro pelo mesmo G. Soares de Souza, imagens, quadros, iconografias, mapas, plantas, pratarias etc.

Bulas e Breves

As informações sobre bulas e breves prendem-se ao conteúdo da pasta no 33, documentos manuscritos que datam de cerca de 1567 a 1864. Encontram-se restaurados, permitindo, assim, o manuseio de documentos tão preciosos. A pasta contém seis "cadernos", todos eles em papel sem pauta, já amarelecidos, escritos com tinta preta já modificada pelo tempo. Apesar da boa restauração, alguns deles apresentam graves estragos, causados pelas traças e cupins, e grandes rasgões, prejudicando, portanto, a sua leitura.

O primeiro "caderno" é composto de quatro documentos e possui, ao todo, nove fólios, recto e verso: em letra regular, constando de cartas e propostas, em português, datadas, respectivamente, de 1775, 1780, 1782, 1831.

O segundo "caderno", com quatro fólios, recto e verso, consta de dois requerimentos datados de 1752, em latim, com interrupções causadas por furos e rasgões.

O terceiro "caderno" possui um documento com dois fólios, recto e verso: é uma súplica do abade do M.S.B.BA e do abade do Mosteiro de S. Bento de Pernambuco, pedindo que Sua Santidade não conceda a independência à Província de S. Bento no Brasil, solicitada pelos Freis Diogo Rangel e Inácio da Purificação, datados de 22 de julho de 1664 e 28 de agosto de 1665. Redigido até certo ponto em latim, continuando até o final em português.

O quarto "caderno", com quatro fólios, recto e verso, é um Breve do Papa Bento XIII, concedendo redução dos legados de missas perpétuas e de ofícios pro defunctis, datado de 5 de julho de 1724 e 26 de setembro de 1742, escrito em latim.

O quinto "caderno", com nove fólios, recto e verso, contém uma Bulla de Pio V, Regiminis universalis, com a data de 1o de agosto de 1567. Encontra-se menos estragado que os outros, escrito em latim.

O sexto "caderno", com 8 fólios, recto e verso, é um Breve do Papa Gregório XIII, sobre os juízes conservadores, de 25 de junho de 1572, redigido em latim. Apresenta três tipos de letras diferentes: as duas primeiras são cursivas regulares e a terceira possui um traçado que se assemelha à cursiva cortesã ou processal.

Livros de Tombo

A biblioteca do M.S.B.BA contém no seu acervo três belos livros de Tombo, restaurados, todos eles manuscritos, sendo que o primeiro já foi impresso3

. Esses são datados dos séculos XVII, XVIII e XIX, medem, aproximadamente, 60 mm × 40 mm, com 10 mm de espessura. Capas em couro de porco, em bom estado, ilustradas com um desenho papal, em tinta preta, representando uma efígie em forma de sol. O livro um possui duzentos e dez fólios, recto e verso; o livro dois, trezentos e dez fólios, recto e verso: o livro três, duzentos e setenta e quatro fólios, recto e verso; escritos, em sua maior parte, em uma letra cursiva bela e regular, em tinta preta extraída dos jenipapeiros e papel "trapo"4 já bastante amarelecido. Esses livros arrolam escrituras, despachos, trocas, quitações, reconhecimentos, títulos de terras, petições, registros, posses de terras etc.

Antifonários5

Foram consultados três desses lindos livros, feitos a mão, que reúnem Cantos Gregorianos representados, em todos os seus fólios, por notas musicais em forma de pequenos quadrados negros; acompanhando as pautas e abaixo das notas musicais, aparecem as letras de cada música, em língua latina.

O Antifonário que tem o título Innativi – Tate – Domini N. S. Christ ad Matutinum Invit mede 600 mm × 400 mm com 50 mm de espessura, cento e setenta e seis fólios, recto e verso, em tinta preta e todo ornado com letrinas, restaurados e em melhor estado do que sua capa de couro. Contém cantigas, hinos, laudas, missas cantadas etc.

O outro Antifonário tem o título Livro das missas de Nossa Senhora: esse título aparece na folha de rosto e somente ela está em português, achando-se os fólios restantes escritos em latim. Datado de 1840, guarda as mesmas características dos outros antifonários, em relação às notas musicais, letrinas, capa, papel etc. Possui cinqüenta e dois fólios, recto e verso, compostos de partes da missa, como Introitus, Offertorium e Communio.

O terceiro Antifonário, também escrito em latim, tem o título de In festo Santoni i Padue: cento e trinta e um fólios, recto e verso. A capa, as notas musicais, as letrinas e o papel são semelhantes às dos citados anteriormente. Contém as partes da missa e no final traz índice com os seguintes títulos: Fest S. Antoni Pad; Fest translat S. P. N. Benedit; Fest Assumptionis B. N. V.; Missa Patrocinii S Joseph.

Incunábulos

São cinqüenta incunábulos, em latim, que compõem o acervo da biblioteca do M.S.B.BA e, até o presente momento, pouquíssimos já foram restaurados. Desses

6 livros, considerados muito raros, teve-se acesso somente a dois: o de 1504 e o de 1538. Considera-se o primeiro mais autêntico, graças à sua datação, dando-se preferência a descrevê-lo, sobretudo, pelo estado precário de conservação em que se encontra o de 15387. O incunábulo de 1504 de Alberti Magni tem o título de Prima et Partes Postille Super Euangeliare Luce; apresenta-se bem restaurado, tem a capa de couro marrom; papel pardo, impresso em letra gótica, em duas colunas, possuindo as principais características de um Incunábulo8. Foi bastante danificado pelo tempo, fungos e cupins. Está dividido em capítulos e a numeração dos mesmos é em algarismos romanos. Contém vinte e dois capítulos, com cerca de trezentos e quarenta e três fólios, recto e verso. O último fólio termina com as palavras Finit Registrum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se ter podido fornecer uma informação sobre o conteúdo precioso da Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia. Desse modo, deu-se uma pequena contribuição no sentido de divulgar um dos acervos brasileiros mais ricos e que aguarda o trabalho de muitos pesquisadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANTIPHONALE: sacrosanctae pro diurnis horis. Romae: Typis polyglotta Vaticanis, 1912 il. (impresso, com música e letras das mesmas cantigas).

2. BATTELLI, Giulio. Lezioni di paleografia. 3. ed. Vaticano: 1949. 274 p.

3. OS BENEDITINOS NA BAHIA: 1581–1947. [Salvador]: Tipografia Beneditina, 1947.

4. GAFFIOT, Félix. Dictionnaire illustré latin français. Paris: Hachette, [1934]. 1719 p.

5. HOUAISS, Antônio. dir. Pequeno dicionário enciclopédico Koogan-Larousse. Rio de Janeiro: Larousse do Brasil, [1982]. p. 56.

6. LIVRO VELHO DO TOMBO DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA CIDADE DO SALVADOR. Bahia, Brasil: Tipografia Beneditina, [1945] il.

7. MC MURTRIE, Douglas C. O estudo dos incunábulos. In: id. O livro; impressão e fabrico. Trad. Maria Luisa Saavedra Machado. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1969. pp. 221–99.

8. NÚÑEL CONTRERAS, Luís. Manual de Paleografía: fundamentos e historia de la escritura latina hasta el siglo VIII. [Madrid]: Catedra, [1994]. 573 p.

9. PICCHIO, Luciana Stegagno. À margem da edição de textos antigos portugueses. In: id. A lição do texto: filologia e literatura; I Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1979. p. 237–57. (Signos, 20).

10. PROU, Maurice. Manuel de paléographie latine et française. Paris: Alphonse Picard, 1910. 511p.

11. ROCHA, Dom Paulo et al. 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia. [Salvador]: M.S.B.BA/ Construtora Norberto Odebrecht S.A. [1982] il.

RESUMÉ

Rukopisy a prvotisky kláštera São Bento v Bahii

Èlánek podává pøehled rukopisù a starých tiskù umístìných v knihovnì kláštera

São Bento v brazilském státì Bahia. Jeho cílem je upozornit na dùležitost tìchto fondù

pro studium a výzkum starých textù.

SUMMARY

The manuscript and incunables in the library of Mosteiro de São Bento

The article is a brief account of the manuscripts and incunables from the collection

of the Library of Mosteiro de São Bento, in Bahia. It is an attempt of informing on the

library's importance for the research and the study of ancient texts.

Albertina Ribeiro da Gama



Instituto de Letras

Universidade Federal da Bahia

SALVADOR, Brasil



1 De início comunicação apresentada no 5o. Encontro Internacional da Associação de Pesquisadores do Manuscrito Literário:Memória e Edições, realizado em Salvador, de 4 a 7 de novembro de 1996.2 Nascido em 480, falecido em 547 – (os Beneditinos na Bahia).

3 Vejam-se as referências bibliográficas.

4 Segundo a descrição existente na Biblioteca.

5 Livro de igreja que contém as diversas partes do ofício cantado no coro.

6 Os incunábulos considerados mais autênticos são aqueles que surgiram com o aparecimento da imprensa (1440), indo até 1520.

7 Concílio... Agapeti papae usque as Eugenium papam quartu... Quentel, 1538.

8 Não possuem folha de rosto, ou quando a possuem não trazem dados tipográficos; nos mais antigos eram deixados espaços em branco no lugar das letrinas, epígrafes e miniaturas, para serem preenchidas à mão; suas folhas não contêm paginação; o tipo de letra usado é o gótico; muito ricos em abreviaturas.

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