terça-feira, março 13

elucubrações sobre tipografia

Nao devemos confundir sobremaneira a escrita e a tipografia. Embora esta ultima nada mais seja do que uma atividade de design industrial para a normatizacao, estandardizacao e ganho produtivo da escrita impressa, aquela lhe é anterior. Assim, o estudo da tipografia é obviamente recente, posterior a Gutenberg. Mas o da escrita remonta a milenios no tempo, tem formas muito mais diversas e existe desde a instituicao dos primeiros professores na Grecia Classica, ou aos escribas mesopotamicos e egipcios. Donde podemos nos interessar pelas escritas cursivas de diversos povos e periodos. Todavia, as tecnologias atuais de criacao de fontes truetype podem nos ajudar a sistematizar estas escritas perdidas no tempo, e assim, se nao populariza-las, ao menos perpetua-las. E isto vem sendo feito silenciosamente por centenas de designers artistas, criadores de fontes pelo mundo afora.

O estudo da tipografia é das atividades mais importantes para a criacao de fontes truetype. Pode-se dizer, grosso modo, que a criacao de fontes truetype tem tres alicerces:

1
a capacidade tecnica, pelo designer, no manejo do software de criacao de fontes aliado a tecnicas diversas de digitalizacao e design vetorial

2
o conhecimento de teoria sobre o universo historico dos tipos moveis, das letras cursivas (caligraficas) anteriores (e posteriores) à imprensa gutenbergiana e, contemporaneamente, a compreensao de que esta arte e seus produtos (os tipos) ainda continuam em atividade e criacao

3
e, para aqueles que nao tencionam construir tipos baseados em antigas escritas, criatividade para desenvolver tipos novos, ainda que, é forcoso ressaltar, mesmo os tipos novos tem de se basear nos alfabetos existentes, porque dependem dum minimo de legibilidade para serem considerados suporte da escrita. afinal, a finalidade da criacao ou da reproducao de tipos ainda é a utilizacao destes na compilacao da palavra escrita, do texto ou da expressao display, seu fim maximo. pode-se argumentar todavia que podem-se criar tipos com finalidade puramente artistica. tavez seja verdade.

O estudo das tipografias iniciou-se naturalmente com as primeiras compilacoes historicas sobre a historia dos tipos moveis. Mas tambem se estuda desde ha muito a evolucao das escritas cursivas, das quais obviamente se originaram os primeiros tipos (Gutenberg fazia questao de imitar os tipos cursivos góticos para chocar menos os leitores com seu tento tecnologico, chegando ao ponto de criar trezentos tipos para cada alfabeto para aumentar as caracteristicas de visualidade manuscrita em alguns livros). Um dos motivos da escrita bastarda ter se firmado e disseminado foi a existencia de bons manuais e seu uso intensivo atraves de ensino.. Note que tipos romanos diferem da escrita cursiva e isto é materia para outros estudos mais a frente.

O suporte e o instrumental necessário para se escrever influenciam na forma da escrita. Notamos a primeira vista que a maioria dos primitivos tipos tinham formas retilineas, nao curvas, diferentes das escritas cursivas. Isto explica-se provavelmente pela facilidade em serem talhados em detrimento de formas curvas. Processos semelhantes de solucao tecnica vemos por exemplo ja na mesopotamia com a escrita cuneiforme (incisoes retilineas sobre placas de barro) e na escrita runica (incisoes sobre pedras, gravadas pelos escandinavos antigos). É um processo similar a muitas antigas escritas. O alfabeto grego sofre esta limitacao de angulos, os escritos romanos, principalmente os epigraficos tambem sofreram estas limitacoes. Mas as formas retilineas tipograficas tambem podem ser encaradas em certa parte fruto de calculada dissociacao do visual caligrafico (portanto menos legivel). Planejamento teorico sobre o resultado final das fontes nao pode ser desconsiderado lembrando-se, por exemplo, que os proprios tipografos da era da reforma protestante adotaram os rebuscados caracteres goticos como forma de se dissociarem as publicaçoes protestantes das cristãs (que usavam caracteres latinos). Morris, por exemplo, revolucionou a tipografia em fins do seculo XIX dedicando-se à criacao de tipos após um deliberado processo de analise e criacao. Ele, aos 50 anos de idade, nao era tipógrafo.

O surgimento e multiplicacao das familias de tipos tem explicacao simples em dois pontos distintos mas interligados: o aumento do numero e natureza de impressoes: iniciando-se com livros mas depois surgindo os jornais, cartazes, revistas e manuais foram sendo solicitadas aos tipografos novas solucoes em tipos. Ao mesmo tempo, em seus inicios, impressores tinham que produzir seus proprios tipos, enquanto que mais contemporaneamente estes podiam ser industrializados em massa e distribuidos pelo mundo inteiro, uniformizando as publicacoes.

Em meados do seculo XIX, por exemplo, alguns livros de arte franceses chegavam ao cumulo de misturarem uma dezena de tipos numa mesma publicacao, incluindo ai góticos, romanos e egípcios. Ainda que copiassem entre si solucoes, as matrizes jamais poderiam ser iguais, e artesaos diferentes foram aos poucos produzindo familias distintas. No entanto, houve tambem movimentos contrarios, acredite, atraves de leis impostas na epoca da colonizacao inglesa à America do Norte destinadas a vigiar o crescimento do ensino e portanto da geracao de ideias entre as classes mais baixas da populacao. Assim como hoje ministerios da educacao interferem nas questoes do ensino de massas, isto ja acontecia desde ha muito nos governos autocraticos. Pode-se citar por exemplo inclusive as citacoes de Jaime Cortesao sobre a escrita cursiva cortesa e processual e o premio em "dez maravedis" para os escrivaes que fizessem seus documentos em "letra cortesão de boa forma" etc etc etc

Nesse processo obviamente questoes culturais locais intrinsecas a estes artesaos foram se impondo em maior ou menor grau, trazendo um pouco de influencias celtas aqui, arabes (em menor escala) ali, e assim por diante. assim temos hoje tipos romanos, celtas, goticos e toda
uma infinita variedade.

isto foi escrito há anos atrás, no início de meus estudos, donde explicam-se os erros de análise


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