terça-feira, março 13

Os Beneditinos chegam ao Brasil

Histórico do Mosteiro de São Bento de São Paulo

Fundação
Os monges beneditinos chegaram à São Paulo em 1598. A Companhia de Jesus e a Ordem do Carmo eram as únicas ordens religiosas em São Paulo. Fr. Mauro Teixeira foi o primeiro beneditino a chegar à São Paulo. Natural da cidade de São Vicente, ele foi discípulo direto do jesuíta Pe. José de Anchieta. Após a morte de seus familiares pelos índios tamoios, num ritual de canibalismo, Fr. Mauro entrou no Mosteiro de São Bento da Bahia.Terminada sua formação monástica, o Padre Provincial Fr. Clemente das Chagas o envia à São Paulo, onde funda uma pequena ermida, núcleo inicial da presença dos beneditinos na cidade. Logo em seguida, vem o Pe. Fr. Mateus da Ascenção edificar um mosteiro e formar o primeiro núcleo comunitário.

Assim que ele chegou, a Câmara Municipal doou, em 9 de maio de 1600, um pedaço de terra que situava-se "no lugar mais ilustre da vila, depois do Colégio da Companhia", em doação perpétua "até o fim do mundo". O local era onde se localizava a antiga taba do caçique Tibiriçá, "o glorioso índio que realizara a aproximação euro-americana e permitira o surto da civilização no planalto, salvando São Paulo da agressão tamoia de 1562", segundo as palavras do historiador Taunay.

Somente em 1634, as obras foram terminadas e constituída em Abadia. A capela fora dedicada a São Bento. Posteriormente, a pedido do Governador da Capitania de São Vicente, D. Francisco de Sousa, grande benemérito dos beneditinos, foi mudado o patrono da capela paulistana para Nossa Senhora de Montserrat. E, 100 anos depois, em 1720, a capela passou a chamar-se de Nossa Senhora da Assunção, título que se conserva até hoje. No Capítulo Geral de 14 de maio de 1635, o primeiro Visitador da Província, o espanhol Fr. Álvaro Carvajal foi eleito o primeiro Abade de São Paulo.

Período colonial

Aclamação de Amador Bueno
O primeiro fato histórico significativo e pitoresco dos autos do mosteiro se deu por ocasião da proclamação do paulistano Amador Bueno de Ribeira como rei de São Paulo. Após a separação das coroas lusa e espanhola, e iniciada a restauração do Reino de Portugal, em 1640, parte da população da cidade, em geral de origem espanhola, ao saber da aclamação de Luiz Dias Leme como rei da cidade de São Vicente, capital da capitania, decide proclamar rei um de seus filhos mais ilustres. Alguns desejavam continuar fiéis ao reino de Castella, pois acreditavam que em breve estariam de novo sob sua autoridade. Mas, para não dar mostras de seu intento, esse grupo dizia apenas proclamar um filho de São Paulo como seu rei.

Amador Bueno, entretanto, consciencioso e percebendo a artimanha das famílias espanholas, declinou o convite. Porém, a massa já estava convencida, de que essa era a melhor medida para a população paulistana. Chegaram a jurá-lo de morte, caso ele não aceitasse a coroa paulistana. Ele, então, já seguido pelos gritos de muitos, refugia-se no Mosteiro de São Bento. O Abade e a comunidade monástica saíram para deter a multidão, que logo conteve-se em respeito aos religiosos. Bastava gritar ao lado de fora do mosteiro sua aclamação. Aos poucos, os religiosos foram convencendo a população da falacidade do intento, até acalmarem-se e desistirem de vez do que planejavam fazer.

No atual Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo, na sala chamada Imprensa, há um quadro que retrata esse episódio ilustrando a fachada do mosteiro, a população e a comunidade monástica diante do edifício.

O benemérito Fernão Dias Paes
O mosteiro de então era ainda muito pequeno, e a capela não era mais suficiente para todas as pessoas, que ali acorriam, para receberem a assistência dos monges. O Abade do Mosteiro do Rio de Janeiro, em 1646, havia inclusive expedido à Câmara Municipal de São Paulo auxílio para os monges paulistanos, que estavam em paupérrima situação.

Fernão Dias Paes se prontificou a construir uma nova capela e ser o benemérito maior do mosteiro. Em troca do auxílio prestado à abadia, ele pedia apenas que seus restos mortais e de sua família viessem a ficar depositados na nova capela.

Bandeirante dos mais famosos, Fernão Dias desbravou vastíssimas regiões, como o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai, Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia. Ele ficou conhecido como o Governador das Esmeraldas, sendo um dos responsáveis por estender o território brasileiro, para além daquele delimitado pelo tratado de Tordesilhas. Conta-se de sua façanha ao expulsar os holandeses que vieram saquear São Vicente com onze esquadras militares. Era também conhecida sua prática de capturar índios para trabalhar em suas terras. Em 1653, porém, ele se empenhou por reintegrar os jesuítas no Colégio, que haviam sido expulsos por defender os índios contra seus raptores. Atualmente, seus restos mortais e de sua esposa estão depositados na nave central da Basílica do Mosteiro.

Fundação das "presidências" de Parnaíba, Santos, Sorocaba e Jundiaí
Depois de 33 anos de eregida Abadia, a comunidade monástica já havia fundado quatro "presidências", ou priorados. Fato notável, que revela a grande vitalidade da comunidade paulistana. Em 1643, é fundado o Mosteiro de Nossa Senhora do Desterro da Parnaíba. A doação e pedido de fundação são feitos pelo capitão André Fernandes, fundador da Vila de Parnaíba. Atualmente, esse mosteiro está desativado e suas propriedades pertencem à diocese local.

Em 1650, é fundado o Mosteiro de Nossa Senhora do Desterro de Santos. Por ocasião da vinda do Padre Provincial, Fr. Gregório de Magalhães, para São Paulo, cuja passagem obrigatória era o porto de Santos, sentiu a necessidade de construir uma hospedagem, onde os monges de passagem pudessem ali descansar depois da exaustiva viagem entre Santos e São Paulo.

A Câmara de Santos logo permitiu a edificação e doou as terras necessárias. Dois anos depois, já estava construído o edifício e pronto para uso. Já no século XX, ele fora doado pelos monges de São Paulo para a Congregação Beneditina Americana, que queria fazer uma fundação em terras brasileiras. Não satisfeitos com a condição do local, deixaram o Mosteiro para a arquidiocese e foram para outra propriedade oferecida pelos monges paulistanos na cidade de Vinhedo, onde até hoje existe um mosteiro. Atualmente, o edifício do mosteiro de Santos abriga um museu da arquidiocese.

Em 1667, os beneditinos chegaram à Sorocaba para fundar outro mosteiro a pedido de Baltazar Fernandes, recém fundador da cidade e irmão do benemérito do Mosteiro de Parnaíba, André Fernandes. No mesmo ano, completam a construção do edifício. Fundando-se, assim, o Mosteiro de Nossa Senhora da Visitação de Sorocaba. O Mosteiro de Sorocaba ainda permanece aos cuidados do Mosteiro de São Bento de São Paulo. No centro da cidade, ele é o único marco restante da história de sua fundação. Atualmente, não existe uma comunidade residindo no local. Entretanto, sempre recebe a assistência de um monge da comunidade paulistana, de modo que os monges de São Paulo revezam entre si tal encargo, sem deixá-lo um só dia desabitado. Alí há também uma intensa atividade dos leigos, que prestam assistência às famílias carentes e formam diversos grupos de espiritualidade.

Em 1668, era fundado o Mosteiro de Santana de Jundiaí pelo mesmo Padre Provincial, que fundara o Mosteiro de Sorocaba. Ele foi elevado à "presidência" somente em 1694. Hoje, há uma intensa atividade pastoral, pois suas dependências servem às necessidades da arquidiocese. Há um monge morando no mosteiro aos finais de semana, prestando serviço aos fiéis que alí acorrem. Durante um período relativamente curto, 33 anos, a comunidade beneditina paulistana fundou quatro mosteiros. O que mostra sua vitalidade naquela época.

Período da Restauração

Situação anterior
Juntamente com toda a Congregação Beneditina Brasileira, o Mosteiro de São Bento de São Paulo estava em precárias condições. Restavam apenas o velho Abade, Fr. Pedro da Ascenção Moreira, e um funcionário que ali morava. Isso se deu, por causa da lei do governo brasileiro, na primeira metade do século XIX, de fechar os noviciados de todas as ordens religiosas.

Em fins do mesmo século, muitos já especulavam sobre o destino das dependências do Mosteiro. Ele já estava sendo utilizado para fins municipais. Como os demais mosteiros da congregação, ele não tinha as mínimas condições de retomar a vida monástica, receber e formar novos integrantes. Em 1890, o cardeal Rampolla chegou a solicitar sua doação ao então Abade Geral, Fr. Jenuíno da Conceição Mattos, para a arquidiocese local. Pretendia-se fazer um pensionato de meninas. Tal era as expectativas de reerguimento da Congregação Beneditina. E não faltavam pretendentes aos bens do mosteiro.

A cidade de São Paulo nessa época contava com cerca de 65.000 habitantes, um contigente populacional menor que a cidade de Itu. Chega, em 1900, o primeiro monge restaurador no mosteiro, seu prior nomeado, Dom Miguel Kruse. O antigo Abade havia acabado de falecer. Após polêmica com um dos inquilinos do mosteiro, o advogado Dr. Agostinho Nunes de Arruda, que contestava a legitimidade desse monge reaver o mosteiro e suas propriedades, pois já pertenceriam ao Estado, D. Miguel reaveu os bens da antiga comunidade beneditina e deu início à restauração.

O governo de Dom Miguel Kruse
Talvez a figura beneditina mais notável do século passado tenha sido o Abade Dom Miguel Kruse. Ele era natural da Westfália, na Alemanha. Impedido de entrar no seminário na Alemanha devido às perseguições que Bismark desferia à Igreja Católica, ele foi para os Estado Unidos. Ingressou, então, no seminário diocesano instalado na abadia beneditina de St. Vincent, depois de ter sido dispensado da vida conventual por motivo de saúde. Terminou, porém, seus estudos de teologia no Equador, onde foi ordenado e serviu a Igreja local durante quatro anos. Lá testemunhou as grandes perseguições movidas pela maçonaria contra a Igreja Católica e as lutas empreendidas pelo bispo local, D. Pedro Schumacher, o qual lhe ordenara.

Por motivos de doença, voltou à Europa logo retornando aos Estados Unidos, onde pode presenciar o dinamismo do catolicismo americano. Durante seis anos, D. Miguel foi pároco na diocese de Newark (USA), de 1891 a 1897, quando decide vir ao Brasil e ingressar na Ordem de São Bento. Há algum tempo, ele vinha acompanhando os acontecimentos da Igreja do Brasil, em especial a restauração que a Ordem Beneditina vinha sofrendo. Ser beneditino sempre fora seu sonho desde a infância. Por motivos que só a Providência sabe, não conseguiu entrar num mosteiro beneditino nem na Alemanha, nem nos Estados Unidos.

Em 9 de junho de 1897, D. Miguel ingressa no Mosteiro de Olinda, o noviciado único da restauração. Em 1898, emitirá seus votos monásticos. D. Miguel era muito ativo. Recebera muitos cargos e se mostrava extremamente eficiente. Por sua capacidade de orador e grande zelo pastoral, ele alcançava o agrado da população local, autóctone e estrangeira. O fato de conhecer muitas línguas, o alemão, inglês, italiano, francês, espanhol e portugues, fazia dele capelão de muitas colônias da região. O que logo fez seu nome conhecido pela população.

Em 1899, ele foi nomeado prior de Olinda pelo próprio D. Gerardo van Caloen, responsável pela restauração no Brasil, e poucos meses depois, assumira o cargo de Vigário Geral da Congregação, pois não era mais nomeado um Abade Geral da Congregação pelo Capítulo de 8 de dezembro. No período em que foi prior em Olinda, ele fundou o jornal "Estandarte Católico", no qual expunha a doutrina católica e refutava os erros e ataques dos adversários da Igreja; porém, seu fim não era atacar, mas informar. Esse jornal iria ser editado ainda na Bahia e em São Paulo, quando fora prior dessas localidades.

Em 1900, D. Miguel viaja à São Paulo para reaver o Mosteiro de São Paulo. É nomeado prior por Fr. Domingo da Transfiguração Machado. Esse cargo ele vai desempenhar de 1900 a 1904. E em 1907, ele é abençoado Abade da então restaurada Abadia Nossa Senhora da Assunção em São Paulo. A chegada de D. Miguel à São Paulo foi extremamente providencial. São Paulo de 65 mil habitantes em 1890 já contava com 250 mil em 1910. Seu ritmo de crescimento era fora do comum para os padrões da época. Por sua visão perspicaz, D. Miguel soube adaptar a vida beneditina à essa cidade, que viria se tornar a megalópole de hoje, e preparar para as gerações futuras um dinamismo, que pudesse, conservando a índole monástica da comunidade beneditina, acompanhar esse ritmo desenfreado.

Muitos foram os feitos de D. Miguel quando Prior de São Paulo. De início sua figura já era de certo prestígio, pois a ele havia se confiado todos os bens do mosteiro. Com muito desenlace, soube contornar os obstáculos que procuravam impedir seu intento. Para tanto, recorreu com maestria à imprensa local, ganhando o reconhecimento de todos. Sua capacidade comunicativa e sua vivacidade intelectual iriam lhe garantir muitas vitórias nos debates travados com efervecência com seus opositores.

Ele logo começa a estabelecer relações de cordialidade com o clero secular e religioso e as autoridades civis, fazendo diversas visitas oficiais. Ao fazer sua visita ao Governador do Estado, ele foi atenciosamente recebido pelo então presidente Rodrigues Alves. As cerimônias litúrgicas no São Bento, pela sua simplicidade e aprimoramento, logo ficaram conhecidas pela população. As pessoas começavam cada vez mais a participar das celebrações dos beneditinos. A presença de D. Miguel junto às colônias de imigrantes, em especial dos alemães, se fazia notar. E em pouco tempo ele já era figura marcante na Igreja de São Paulo.

Outro evento que lhe ganhou o reconhecimento da população foi a edição do semanário "Estandarte Católico". Jornalista nato, D. Miguel elaborava com elegância e presteza seus artigos, os quais apresentavam uma qualidade literária e riqueza de informações pouco vistas no Brasil. Ficaram famosos os episódios do debate entre ele e o conceituado Dr. Luiz Pereira Barreto, grande intelectual da época, no jornal "Estado de S. Paulo". Estudado na Universidade de Bruxelas, então orientada pela maçonaria, e tido suas palavras como verdadeiros oráculos por muitos paulistanos, Dr. Barreto desferiu um forte ataque à Igreja Católica e às ordens religiosas, precedendo uma polêmica anticlerical na cidade. Por essa época, o Mosteiro de São Bento havia sido alvo de manifestações, a ponto de terem suas janelas alvejadas por pedras.

D. Miguel se prontificou logo a responder-lhe à altura. No dia seguinte, refutava todos os argumentos do algoz, demonstrando seu vasto conhecimento de história da Igreja, de sua doutrina e a versatilidade de sua formação neo-escolástica, que não se deixava render aos argumentos mais recentes. Esse debate estendeu-se por várias edições. Surprendia a rapidez com que D. Miguel respondia aos artigos do adversário. No dia seguinte já era publicado no "Estado" sua réplica, ao passo que a do Dr. Barreto chegava a levar vários dias. A série de publicações chegaram ao fim, quando, já reconhecida a superioridade de D. Miguel, o próprio amigo de Dr. Barreto, o filósofo e historiador, Eduardo Prado deu razão a D. Miguel, e começou a publicar em seu jornal "Comércio de São Paulo" uma série de artigos a esse respeito.

Acerca dessa característica jornalística e franca de D. Miguel, escreveu D. Adalberto Swiersen, então monge de São Paulo: "Qualquer ataque aos monges estrangeiros, à nossa Ordem ou às instituições eclesiásticas, nos jornais de São Paulo ou do Rio, recebe no dia seguinte uma resposta à altura, por isso é temido por todos os adversários protestantes, liberais, maçons, e respeitado pelo clero nacional."

Nunca São Paulo e talvez o Brasil pode acompanhar tão acalorada disputa, e em tamanho nível literário e intelectual. A partir daí aumentaram as tiragens do "Estandarte" e o nome de D. Miguel ficou ainda mais conhecido. A tiragem do jornal semanal chegou a 10 mil, fato excepcional em edições católicas. No dizer do Cardeal Arcoverde, o primeiro cardeal sul-americano, o "Estandarte" era o "mentor seguro do episcopado e do clero brasileiro".

D. Miguel era também homem muito empreendedor. Datam de seu período de priorado: a fundação da escola primária Sto. Adalberto para crianças alemãs em 1901; a colaboração com as Irmãs de Santa Catarina para a fundação do Sanatório Santa Catariana, localizado na Avenida Paulista, em 1903; a inauguração do ginásio São Bento, nas dependências do Mosteiro a 15 de fevereiro de 1903; e a criação da Escola Noturna de São Miguel em 1906.

Em 30 de outubro de 1907, D. Miguel Kruse era abençoado Abade do Mosteiro de São Bento de São Paulo. Iniciava-se uma nova fase em toda Congregação Beneditina Brasileira e sobretudo nos mosteiros em particular. A nomeação dos abades significava o sucesso de todo o processo de restauração. A partir daí, os mosteiros adquiriam vida própria e uma nova configuração, que a Congregação Brasileira nunca conheceu. O modelo da reforma beuronense, que pretendeu desvincular-se de toda carga burocrática e cultural, que se impregnou na vida monástica desde idos da Idade Média, fora implantada no Brasil. Agora, os Mosteiros eram células com vida própria, independentes entre si, tendo em comum apenas a Regra de São Bento e as Constituições. Era restaurado, por exemplo, o antigo voto de estabilidade na comunidade conventual, que, antes, era de observância para toda congegação, não para um mosteiro em particular.

Suas obras vão continuar nesse período de abaciado, estendendo-se até sua morte em 1929. Serão elas: criação do Instituto Eduardo Prado para instrução e educação dos pequenos engraxates em 1908; fundação da Faculdade de Filosofia e Letras de São Bento, primeira da América Latina, em 1908, futuramente transferida para a PUC, e agora está sendo reinaugurada para 2002; fundação da Abadia das monjas beneditinas em 1911, a primeira em todas as Américas; demolição do antigo edifício do mosteiro e da igreja em 1910, e construção do atual edifício, juntamente com a construção de um novo prédio para o colégio; e a criação da escola primária para crianças pobres no bairro de Santana.

Outro fato significativo foi sua defesa dos jesuítas expulsos de Portugal por ocasião da morte de Carlos I, que antecedeu a revolução republicana portuguesa, repleta de perseguições ao clero e aos religiosos. Dos 360 jesuítas em Portugal, seu provincial enviou 90 foragidos para o Brasil. O governo brasileiro, influenciado pela maçonaria, não permitiu que eles entrassem no Brasil. Foi, então, que D. Abade Miguel Kruse assumiu a defesa dos jesuítas, expedindo uma solicitação para o presidente dos Estados Unidos para recebê-los, o qual prontamente aceitou. O governo brasileiro terminou por consentir a entrada dos religiosos, recebendo-os D. Miguel pessoalmente no porto do Rio de Janeiro. Alguns desse jesuítas iriam ajudar D. Miguel na formação dos clérigos beneditinos em Sorocaba, onde o Abade instalara o noviciado e o núcleo filosófico e teológico para a formação sacerdotal, sob a orientação de D. Adalberto Swiersen, o mestre de noviços.

Especial obra do Abade de São Paulo, foi junto aos imigrantes. Desde sua chegada à São Paulo se ocupara com a colônia alemã. Também junto aos italianos e japoneses, D. Miguel prestou muitos serviços. Em 1904, ele hospedara o bispo Giovanni Scalabrini, com o qual conversou muito sobre o trabalho junto à população italiana residente em São Paulo.

Por fim, D. Miguel contribuiu para a chegada e estabelecimento das Beneditinas Missionárias de Tutzing em Sorocaba, onde elas fundaram um colégio; e para a vinda e estabelecimento das Irmãs de Santa Marcelina. Quando a Geral dessas Irmãs mencionou ao papa Pio XI, ex-arcebispo de Milão, que elas pretendiam abrir um colégio para a educação da juventude feminina de São Paulo, ele logo acrescentou: "Em São Paulo, dirija-se exclusivamente ao Abade Kruse. É um grande construtor. Ele construirá a casa".

A saúde de D. Miguel sempre fora muito delicada, principalmente depois da missão no Equador, onde contrai a doença da malária, deixando seqüelas. Na segunda-feira, depois do Domingo de Ramos, em 1929, D. Miguel sofreu uma delicada operação. Seu estado, porém, não apresentava quadro de melhora. Diariamente o arcebispo de São Paulo visitava-o para rezarem juntos. O presidente da República, Washington Luís deixara uma pessoa de sua confiança no sanatório para dar-lhe notícias diárias do Abade. A população de São Paulo já estava sabendo do que se passava, pois os jornais nacionais davam pequenas breves de seu estado de saúde. Na quinta-feira, ele piorou recebendo a Unção dos Enfermos e renovou seus votos monásticos. À noite recebeu um telegrama especial do papa concedendo-lhe sua bênção. Na segunda-feira depois da Páscoa, Dom Abade Miguel Kruse faleceu.

Por fim, D. Miguel foi sepultado no claustro do mosteiro. Por seu próprio pedido, em sua lápide se lê: dilexit ecllesiam, "amou a Igreja". D. Miguel foi um verdadeiro representante da Restauração Católica no Brasil, num período especialmente difícil para a Igreja. É difícil exagerar a importância desse Abade para a Igreja de São Paulo e a comunidade beneditina até os dias de hoje.

Os Abades posteriores

De fato, a importância de Dom Miguel Kruse é capital. De alguma forma, ele foi o responsável por lançar as bases da vida beneditina na capital paulista. Em 1929, assumia a direção da abadia o então eleito Dom Abade Domingos Schelhorn, de origem alemã que veio auxiliar a Restauração da Ordem. Após sua morte, foi eleito Dom Paulo Pedrosa, natural de São Paulo. Ele havia sido pároco de Santa Cecília; diz-se que ele antes de entrar no mosteiro estava cotado para ser bispo de São Paulo, fato comum entre os párocos de Santa Cecília. Em seguida, assume Dom Tito Marchese, advogado paulistano, mas que tem morte prematura. Dom Joaquim de Arruda Zamith o sucede até 1989. O Abade Dom Isidoro Oliveira Preto assume o governo da abadia em 1989 até 2001, quando é eleito Dom Luiz César de Proença, o atual superior da comunidade beneditina de São Paulo.

Algumas obras recomendadas para maior conhecimento da história da Abadia:

José Lohr Endres, OSB -- A Ordem de São Bento no Brasil quando Província: 1582-1827. Salvador, Mosteiro de São Bento da Bahia, 1980.

Affonso de E. Taunay -- História antiga da Abadia de São Paulo. São Paulo, Mosteiro de São Bento, 1927.

Michael Emílio Scherer, OSB obl. -- D. Miguel: um grande abade beneditino. Munique, Editora da Academia Beneditina Bávara, 1964.

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