quinta-feira, julho 13

Voltaire, Dicionario Filosofico, Belo, Beleza, Bem


BELO, BELEZA

Perguntai a um sapo que é a beleza, o supremo belo, o to kalon. Responder-vos-á ser a sapa com os dois olhos exagerados e redondos encaixados na cabeça minúscula, a boca larga e chata, o ventre amarelo, o dorso pardo. Interrogai um negro da Guiné O belo para ele é - uma pele negra e oleosa, olhos cravados, nariz esborrachado. Indagai ao diabo. Dir-vos-á que o belo é um par de cornos, quatro garras e cauda. Inquiri os filósofos. Responder-vos-ão com aranzéis. Falta-lhes algo de conforme ao arquétipo do belo em essência, o to kalon. Assistia eu certa vez à representação de uma tragédia em companhia de um filósofo.

- Como é belo! - dizia ele.

- Que viu o sr. de belo?

- O autor atingiu seu fim.

No dia seguinte ele tomou um purgante que lhe fez efeito.

- O purgante atingiu seu fim - disse-lhe eu. - Eis um belo purgante.

Ele compreendeu não se poder dizer que um purgante seja belo, e que para chamar belo a alguma coisa é preciso que nos cause admiração e prazer. Conveio em que a tragédia lhe inspirara estas duas emoções, e que nisso estava o to kalon, o belo. Realizamos uma viagem à Inglaterra. Lá se representava a mesma peça, impecavelmente traduzida. Fez bocejarem todos os espectadores.

- Oh! - exclamou o filósofo - o to kalon não é o mesmo para os ingleses e os franceses.

Após muita reflexão concluiu ser o belo extremamente relativo, como o que é decente no Japão é indecente em Roma, o que é moda em Paris não o é em Pequim.

BEM (SUPREMO)

Muito discutiu a antigüidade em torno do supremo bem. Que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. Quid dem? quid non dem? Renuis tu quod jubet alter... Castor gaudet equis; ovo prognatus eodem pugnis... Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de polarizar-nos toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem
e supremo mal são quimeras. Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.

Fortuna: - O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.

Volúpia: - Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.

Saúde: - Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.

Virtude: - Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.

Teve o pomo a Virtude.

A fábula é engenhosa, mas não solve o problema absurdo do supremo bem. Virtude não é bem, senão dever. Pertence a plano superior. Nada tem que ver com as sensações dolorosas ou agradáveis. Com cálculos e gota, sem arrimo, sem amigos, privado do necessário, perseguido, agrilhoado por um tirano voluptuoso aboletado no fausto, o homem virtuoso é infelicíssimo, e o perseguidor insolente que acaricia uma nova amante em seu leito de púrpura, felicíssimo. Podeis dizer ser preferível o sábio perseguido ao perseguidor impertinente. Podeis dizer amar a um e detestar ao outro. Mas esquece-vos que le sage dans les fers enrage. Se não concordar o sábio, engana-vos: é um charlatão.

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