sábado, março 10

Albrecht Durer

na lista de design gráfico que frequento falou-se ultimamente, muito en passant, sobre Durer. não me admira a superficialidade com que muitos de meus colegas tratam a história da arte - e consequentemente do design - uma vez que muitos estão comprometidos com a velocidade de nossos dias digitais e com as teorias sobre design.

porém uma boa olhada, com olhos tranquilos, nos clássicos, tanto da tipografia quanto da arte - e Durer frequentou as duas esferas - podem sempre nos trazer ensinamentos. tenho uma coleçãozinha de 360 xilogravuras (woodcuts) do mestre Durer, que é considerado por muitos o maior artista alemão, e vou dividi-la, aos poucos com vocês, aqui neste blog. é oportuno citar também a importância de Durer para o grupo de Anton Koberger, já que ele foi assessor artístico de Koberger tendo com ele impresso o Apocalipse em 1498 (criando uma série de dezesseis gravuras para esta obra) , e sabe-se lá o quanto de Durer pode haver nas fontes de Koberger que a Intellecta acaba de lançar. Seu professor, Michael Wohlgemuth, compusera com Koberger, anos antes, o famoso Liber Chronicarum, com mais de 800 gravuras. Comparar esta obra com as xilogravuras de Durer dá uma boa medida do talento doalunoi diante do mestre. Aliás, observando-se a gravura de Santa brigida, de Koberger (também um gravurista) vê-se aí um estilo muito semelhante ao de Durer.

Estudando a impressão no século XVI veremos o seguinte ambiente histórico: A Contra-Reforma foi perigosa para impressores-pregadores como Savonarola e Tyndale (que fez a famosa tradução da Bíblia para o inglês. A Inquisição encorajou a criação do Index (que listava livros probidos pela Igreja). Os panfletos suplementam os livros como material de leitura para as massas (dentro de uma crescente população alfabetizando-se, com o aumento do numero de faculdades laicas). As atividades da indústria de impressão tornam-se mais introspectivas e calculadas, e esta industria se consolida como uma empresa de bases sólidas - ao contrário das primeiras experiencias com os incunábulos - coisa que Koberger demonstra com sua indústria repleta de funcionários. Com o aumento do numero de editores e edições as primeiras bibliotecas pessoais começam a se tornar possiveis. Antonio Blado continua ampliando a popularidade do visual humanistico na Itália. A escrita cursiva/chancelaresca desenvolvida por Arrighi torna-se tipografia nas mãos de Adus Manutius e outros. Os Livros de Horas estão em suas ultimas fases - mas é num destes, o do Imperador Maximiliano - que surge a primeira fraktur tipográfica. Surge a Biblia Poliglota de Plantin. Giolito inclui gravuras cuja matriz é xilográfica (wood engravings). Os dingbats de hoje tem portanto uma tradição que remonta ao segundo século da tipografia. Holbein cria suas capitais decorativas "Dança dos Mortos" e "Crianças" (ambas em produção pela Intellecta). Na Inglaterra a impressão torna-se mais elegante usando iniciais e itálicas. Lucas Cranach - que trabalha com Durer no livro de horas de Maxiliano, evolui a técnica a xilogravura. O maior artista alemão do período é sem dúvida Durer, embora o povo de Cranach, perto de Bamberg, na alta Franconia, ache que tenha sido Lucas Cranach. Ele se interessa superficialmente por tipografia, mas constroi aquelas que devem ser as primeiras fontes puramente geometricas: as Durer Capitals (em breve fonte pela Intellecta), atuando no campo da tipografia com duas contribuições inequivocamente importantes:

a)
a participação no desenvolvimento da primeira typeface fraktur, como nos mostra o texto de Paulo Heitlinger:
como tipo móvel de chumbo, a Fraktur apareceu pela primeira vez no Livro de Orações (Gebetbuch) composto em 1513 para Maximilian I ­ (que era mecenas de Durer) um dos mais luxuosos e onerosos livros de todos os tempos. Na elaboração desta versão tipográfica da Fraktur participou toda uma equipe de designers topo de gama da época: o chanceler imperial Vincenz Rockner, o mestre-escritor (Schreibmeister) Johann Neudörffer o Velho, o mestre-calígrafo Leonhard Wagner, o gravador de punções Hyeronimus Andreä, o impressor imperial Hans Schönsperger e Albrecht Dürer.

Na ilustração deste Livro de Orações participou a elite, a fina-flor dos artistas da época: os desenhos nas margens foram executados por Albrecht Dürer, Lucas Cranach, Hans Baldung Grien, Hans Buckmayer e Jörg Breu. O resultado: o Livro de Orações é um pináculo da arte do livro alemão.

Durante a execução deste livro, Johann Neudörffer colaborou com Dürer no Portal de Honra de Maximiliano (peça gráfica de grande formato, impressa no prelo), escrevendo textos em Fraktur, que foram passados a tipos móveis de madeira pelo gravador de punções Hyeronimus Andreä.

b)
fez o primeiro estudo (se desconsiderarmos Feliciano, que não era artista) sobre a geometrização das capitais romanas, talvez um feito anterior a Luca Pacioli (ainda que eles tenham, de fato, se conhecido) e em muitos séculos anterior a roman du roi, de Grandjean. Seus estudos sobre fortificações e estandardizações geométricas lembram muito a tendencia de outros pesquisadores do período como Felice Feliciano (apontado como o pioneiro neste estudo), Pacioli, Fanti, Tagliente, Arrighi, De Moile e Leonardo da Vinci (com seu "homem vitruviano", por exemplo). fontes digitais baseadas neste trabalho existem na internet, uma delas por seu patricio, Manfred Klein.

segundo Paulo Heitlinger estes eventos podem ser assim descritos:

Albrecht Dürer, na sua Underweysung der Messung mit Zirkel und Richtscheyd (obra publicada em 1525), estudou intensivamente as letras versais romanas favorecidas pelos mestres calígrafos italianos.

Entre todas as tentativas de «explicar» e descrever os caracteres romanos com métodos de geometria descritiva, a obra de Dü­rer é a mais precisa e clara. Célebre mestre pintor e gravador, mas também exímio tipógrafo (co-autor da Fraktur, página 166), Dürer conhecia os estudos de da Moile e Luca Pacioli, pois tinha visto os desenhos destes durante a sua segunda viagem à Itália, que o levara até Veneza, grande empório e centro tipográfico da época.

Dürer, que tinha começado por fazer uma aprendizagem de ourives e de pintor em Augsburg, fez duas viagens pela Itália – uma prática comum para artistas e intelectuais alemães, que perdurou até hoje.

O interesse que Albrecht Dürer desenvolveu pela tipografia não foi um capricho pessoal; muitos outros artistas – pintores, gravadores e escultores – ocupa­ram-se dos belos caracteres do alfabeto romano. As suas supostas «proporções ideais» foram sujeitas a análises sistemáticas e descritas em relações numéricas.

Assim apareceram as grelhas geométricas nas quais Leonardo da Vinci colocou a sua versão da forma ideal da anatomia humana. Dürer executou semelhantes análises, passando os seus resultados às imagens elucidativas do tratado Underweysung der Messung.

Além de ser um belíssimo livro, este famoso tratado é uma obra pioneira na ilustração exacta, no que hoje chamamos «desenho técnico»; contém mais de 150 gravuras, incluindo projecções ortográficas. Dürer apresentou este livro composto na letra Fraktur, que tinha sido recentemente desenhada – o que parece uma contradição, mas não é; tratava-se de apresentar um assunto «moderno» (italiano, humanista) a um público de cultura alemã, habituado à letra gótica.

Dürer desenvolve temas geométricos e sua aplicação prática na arquitectura e na arte – incluindo a construção de colunas – e a construção de letras. Na «análise anatómica», Dürer dissecou as letras do alfabeto versal romano.

Letra a letra, analisa as formas da capitalis, obtendo as componentes geométricas elementares, mostrando as medidas e as proporções das linhas rectas e cuvas que definem as linhas de contorno e mostrando os pontos de intersecção. Como nos tratados italianos quadrado continuou a ser a grelha de referência para as construções; contudo, Dürer omitiu o círculo inscrito, que reconheceu ser inútil.

Esta análise geométrica de Dürer – e as semelhantes dos seus contemporâneos – terão, cerca de 450 anos mais tarde, importantes consequências e resultados práticos; são a base da representação numérica das fontes digitais para uso em computadores.

Os artistas humanistas da Renascença, tanto os italianos como os alemães, que buscavam o segredo das proporções ideais nas inscrições romanas, viram frustrados os seus intentos. As suas complicadas análises não lhes permitiram chegar a qualquer conclusão.

Hoje, a definição da forma dos caracteres de uma fonte é feita com curvas (mais precisamente, por curvas de tipo Bézier); estas representações são derivados directos do trabalho analítico dos humanistas. A representação renascentista era análoga e tinha como suporte o papel; a contemporânea é digital e tratada no computador.

Se Albrecht Dürer e os seus colegas já tivessem um PC, poderiam ter facilmente definido fontes digitais, pois já dispunham de todo o know-how para isso necessário. A base essencial da vectorização das formas de letras foi por eles descoberta – há mais de 400 anos...


O entendimento de que o trabalho de Durer e dos primeiros tratadistas renascentistas sobre as versais romanas foi o primeiro passo dado a construção das fontes digitais é quase um consenso.
Durer na wikipedia

panorama histórico da impressão no século XVI

acima, xilogravuras de Durer
Michael Wohlgemuth, professor de Durer

notas:

1
recentemente foi lançada no mercado uma fonte, com o nome Pacioli, baseada no trabalho de Fra Lucas Pacioli. não se trata mais de novidade este tipo de trabalho, mas cabe o comentário, mesmo porque, nós, da Intellecta, por amor à arte, ainda lançaremos nossa versão. aos interessados em obter uma versão em pdf desta obra original de Pacioli, favor solicitar em e-mail

2
na criação das primeiras e definitivas versais romanas renascentistas não podemos esquecer de citar sempre Torniello e Vicentino, e, mais tarde, na era moderna, Grandjean

3
Tyndale publicou o famoso "Novo Testamento" traduzido para o inglês. esta obnra é grandiosissima e apresenta belissimas capitais góticas.

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