terça-feira, julho 25

bibliotecas digitais: José Antônio Gonçalves de Mello, fontes para pesquisa sobre o Recife

(para a minha serie de posts sobre bibliotecas digitais)

Existe uma excelente fonte de originais e documentos fora é claro conteudo diverso sobre estudos pernabucanos e recifenses. Trata-se da BIBLIOTECA VIRTUAL José Antônio Gonçalves de Mello, e de sua matriz o acervo da biblioteca particular de
José Antônio Gonçalves de Mello. pela informação que possuo, os livros estão atualmente agregados a Biblioteca da Fundação Brennand, que não digitalizou, pelo que entendi, os documentos propriamente ditos. Porém, a Fundação Giberto Freyre tem um acervo ao que parece em pdf do ensaios e escritos do brilhante homem de estudos, de onde retirei, meses atrás, o texto que segue.

Não apenas para os estudos sobre o Nordeste, Pernambuco e Recife, mas para minha pesquisa sobre escritas e tipografias irei consultar seu acervo. Fica aqui a velha ressalva de que AS COISAS NO BRASIL NÃO FUNCIONAM. Pois a ilustre biblioteca é mais uma na lista das dezenas de instituições nacionais as quais enderecei e-mail solicitando informações (não sou jogador de futebol, com o devido respeito, sou pesquisador) e até hoje não se dignaram a responder.

Segue o texto, que entre outras coisas é relevante para minha pesquisa sobre os livros de Barlaeus e Franciscus Plante que ora a Intellecta está produzindo:


"MISSÃO NOS ARQUIVOS – I
Primeiro relatório apresentado ao Magnífico Reitor da Universidade do Recife,
prof.Joaquim Amazonas.

Apresento a Vossa Magnificência o meu primeiro relatório trimestral da missão de que tive a honra de ser encarregado pela Universidade do Recife. Essa incumbência desdobra-se em duas partes: a primeira, de ensino da história do Brasil no Instituto Espanhol, Português e Ibero-Americano da Universidade de Utrecht; a segunda, de pesquisa de documentação histórica respeitante ao Nordeste Brasileiro em geral e a Pernambuco em particular, nos arquivos da Holanda, Espanha, França e Inglaterra, dentro do mesmo critério da missão anterior, nos arquivos de Portugal, em 1951-52. Da minha participação como representante dessa Universidade no III Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros realizado em Lisboa em setembro de 1957, já apresentei relatório a Vossa Magnificência. No dia 27 de setembro do ano passado viajei para a Holanda e fixei residência na Haia, por ser a sede dos principais arquivos do país. No dia 2 de outubro iniciei as aulas na Universidade de Utrecht, como professor designado pela Universidade do Recife, devendo em breve receber do ministério do Reino para a Educação, Artes e Ciências o título de "privaat_docent" da Universidade de Utrecht (que é uma das três universidades do Estado), após o que deverei pronunciar uma aula em francês perante a Congregação das diversas unidades universitárias. De acordo com o prof. Dr. C.F.A. van Dam, Diretor daquele Instituto, onde é ministrado o ensino universitário das línguas e da História de Portugal, da Espanha e das Américas Portuguesa e Espanhola, as minhas aulas foram fixadas em duas por semana, às segundas e terças-feiras, à tarde, seguidas de seminário. Tenho ministrado com toda regularidade o curso de História do Brasil e prestado outros serviços à Universidade. Ficam-me livres as manhãs das segundas e terças-feiras e o dia todo das quartas-feiras aos sábados (pois não há 'semana inglesa' na Holanda) para a pesquisa histórica. Iniciei-a pelo principal arquivo, onde estão depositados os documentos da Companhia das Índias Ocidentais (Companhia Velha), a saber, o Arquivo Geral do Reino, "Algemeen Rijksarchief". O expediente de trabalho aí é largo, das 9¹/² às 17¹/² da tarde, o qual é por mim aproveitado quase de todo, com uma rápida interrupção para o frugal almoço holandês. O Arquivo Geral do Reino, situado em Bleyenburg, 7, na Haia, dirigido pelo Dr. H. Hardenberg, é um excelente lugar de trabalho. Foi nesse arquivo que José Higino Duarte Pereira trabalhou longamente em 1885-86. A minha pesquisa tem sido realizada nos mesmos papéis examinados há mais de 70 anos por esse ilustre Professor da Faculdade de Direito do Reme. Nem por isso tem sido infrutífera, antes tem se revelado rica de resultados. Com o exame direto dos documentos originais - da grande maioria dos quais já conhecia as cópias feitas na Holanda por iniciativa daquele notável pernambucano, hoje zelosamente guardadas no Instituto Arqueológico desse Estado - pude compreender melhor o problema de José Higino e a feliz solução que ele lhe deu. Dispondo de pouco mais de oito contos de réis (convertidos em 714 libras esterlinas) tinha que fazer copiar em manuscrito - pois, ainda não se usavam então os meios mecânicos de fotocópias - uma enorme e valiosíssima coleção de documentos que deve constar de, aproximadamente, cinqüenta mil folhas. Devia, pois, aplicar rigorosos princípios de seleção, abandonando todos os papéis que estavam anexados aos documentos principais. Assim, imensa quantidade dos 'apensos' que eram enviados com as cartas oficiais, pelo governo holandês do Recife à direção da Companhia das Índias Ocidentais, encontrava-se até hoje no Arquivo Geral do Reino por aproveitar. É muito menor a quantidade de cartas de importância que ele deixou de copiar. Tive o cuidado de, antes de minha partida do Recife, fazer uma relação completa, que trouxe comigo, de todos os documentos copiados por José Higino e hoje guardados no Instituto Arqueológico, visando a evitar duplicatas de cópias e, conseqüentemente, despesa supérflua. Pude verificar deste modo a extraordinária acuidade daquele pernambucano ilustre na seleção dos manuscritos a copiar. Isto com relação à coleção chamada "Cartas e papéis do Brasil", que abrange os anos de 1630 a 1655 e se conserva em dezenove grandes maços ("Companhia Velha" nºs 49 a 67). Com relação às "Nótulas diárias do Governo do Brasil", isto é, as atas dos conselhos governativos do Brasil holandês, devo declarar que me surpreendeu o trabalho realizado por José Higino. Tenho recorrido freqüentemente nos meus estudos a essa coleção, da qual existem cópias no Instituto Arqueológico; e tão vasta é ela, encadernada em doze volumes, que a considerava cópia integral dos originais conservados na Holanda. Entretanto ainda aqui José Higino fizera um trabalho notável de seleção, de tal forma conduzido que não há, praticamente, aspecto histórico do período da ocupação holandesa do Nordeste brasileiro que aí não encontre elementos substanciosos de informação. Apesar de tão rica de indicações, de tão variado interesse, a coleção das "Nótulas" que se guarda no Instituto Arqueológico é apenas uma seleção - seleção muito inteligente e compreensiva - do que se guarda no Arquivo Geral do Reino em Haia. Esse fato obrigou-me a percorrer na sua totalidade a coleção da "Nótulas" e proceder a uma segunda seleção de material, que considero muito importante pelos elementos agora recolhidos, particularmente no que se refere ao extraordinário surto de urbanização do Recife no período de 1637-45. A coleção das "Nótulas Diárias do Governo do Brasil" que abrange os anos de 1635 a 1654, conserva-se em nove maços ("Companhia Velha" nºs 68 a 76). Falta-me concluir o exame dos demais documentos da Companhia das Índias Ocidentais e prosseguir com o dos Estados Gerais das Províncias Unidas, onde há também muita notícia de interesse para o Brasil. Em seguida passarei a trabalhar no "Arquivo da Casa Real", em parte examinado por José Higino. Na primavera pretendo fixar-me em Amsterdam para investigar outros arquivos, estes ainda não visitados por pesquisador brasileiro. Refiro-me ao "Arquivo Municipal", onde se guardam os preciosos documentos notariais, o "Arquivo da Igreja Reformada" e o do Seminário Português-Israelita Ets-Haim. Ao mesmo tempo que estou a trabalhar no "Arquivo Geral do Reino" tenho visitado museus e coleções particulares de iconografia holandesa, à cata de material de interesse brasileiro. Neste particular devo salientar a colaboração preciosa do Exmº Sr. Joaquim de Souza Leão, Embaixador do Brasil neste país. Não podia ser mais feliz a oportunidade desta missão de estudos da Universidade do Recife pela coincidência de encontrar-se na Haia um pernambucano e um erudito conhecedor da história e da arte brasileira nas suas relações com a européia, como é o Embaixador Souza Leão. Em sua companhia pude percorrer não só os grandes museus da Holanda, onde se guarda vasta iconografia de interesse histórico, como coleções particulares, em geral inacessíveis ao público, como a Coleção Engelbrecht e a Fundação Atlas van Stolk, ambas de Rotterdam. Esta última é particularmente interessante e compreende mais de trinta mil estampas e é o resultado do esforço de quatro gerações de colecionadores. Algumas das peças que lá se encontram são exemplares únicos, como é o caso, entre outros, de um retrato eqüestre do Conde João Maurício de Nassau. Obtive algumas fotografias das mais raras para torná-las conhecidas em Pernambuco. Nos relatórios que, acerca das pesquisas em Portugal, tive ocasião de dirigir a Vossa Magnificência em 1952, procurei salientar de forma breve o que a documentação examinada oferecia de novo ao conhecimento do período em estudo. Farei o mesmo com relação às pesquisas que estou a realizar na Holanda.

Urbanização do Recife: os recentes estudos do Engenheiro Blok demonstram. A impossibilidade de ter estado no Recife o arquiteto Pieter Post, a quem se atribui o traçado urbano da Cidade Maurícia¹. Embora não haja ainda elementos suficientes para uma solução segura do problema, há entretanto boa evidência de que o Engenheiro Frederik Pistor é o responsável por várias e importantes obras de urbanização que foram levadas a efeito na capital de Pernambuco, sobretudo durante o governo do Conde de Nassau. Ao seu nome deve ser ligado o do mestre-de-obras ("Fabrikmeester") Michiel Pietersen Schilder, que executou ou dirigiu diversas obras públicas, como é o caso da pavimentação das principais ruas do bairro do Recife. Essa pavimentação foi feita à maneira holandesa, com tijolos, como ainda hoje se usa em ruas e estradas da Holanda. Alguns documentos, agora copiados, indicam que daqui foram levados para Pernambuco, como lastro dos navios, no período de janeiro de 1641 a julho de 1643 nada menos de 1.154.550 tijolos, além dos muitos que eram produzidos in loco, pois a indústria da cerâmica foi uma das mais prósperas do Recife de então, como se verifica das muitas concessões do governo holandês para instalação de olarias à margem do rio Capibaribe. Entre os papéis copiados por mim consta um muito esclarecedor, no qual o mestre-de-obra Schilder dá as dimensões de algumas ruas do Recife e indica a quantidade de tijolos despendidos na sua pavimentação. Assim, no Largo do Corpo Santo, chamado à holandesa de "Plein", empregaram-se 160.000 tijolos; na Rua da Balsa (ou Rua da Cadeia do Recife) 224.000; na Rua do Mar 188.000 etc... População israelita do Brasil holandês: evidencia-se dos manuscritos examinados que já em 1637 - ano em que se consolida o domínio holandês do Nordeste, com as vitórias do Conde de Nassau - era grande e economicamente poderosa a população judaica do Recife. Alguns dos nomes mais em evidência dessa população, já então aí estavam fixados, com intensa atividade comercial. Boas fontes a respeito encontram-se nas listas de compradores de escravos e nas relações dos que embarcavam mercadorias com destino à Holanda; nem aquelas nem estas foram copiadas por José Higino, mas foram agora integralmente aproveitadas. As faturas da carga dos navios são suficientes para estabelecer relações entre os grupos de comerciantes de Pernambuco e da Holanda, quer israelitas, quer cristãos, pois nelas estão indicados pelo nome os que carregavam mercadorias no Brasil e os que as deviam receber na Holanda. Essas fontes poderão ser aproveitadas para um estudo, que ainda não foi realizado, acerca dos grandes interesses holandeses ligados ao comércio de gêneros coloniais do Brasil. Por outro lado, as listas de compradores de escravos revelam não só a especulação que dominou o mercado de mão-de-obra africana, como a flutuação do preço do escravo, a refletir as fases da economia pernambucana no período de 1636 a 1645. Em todos esses aspectos a participação da população israelita é muito importante e essas fontes oferecem novos elementos aos estudos que têm sido feitos por Violet Barbour e Hermann Kellenbenz. Livros holandeses no Recife: duas listas de livros existentes em depósito nos armazéns da Companhia das Índias Ocidentais no Recife de 1643 a 1645, indicam o propósito dos conquistadores no sentido não só da divulgação da doutrina calvinista, como no de dotar a escola pública do Recife dos manuais indispensáveis ao ensino. Há ainda livros propriamente literários. Em 1643 havia 4057 catecismos em língua espanhola, reduzidos a 2200 em 1645; de um livro de religião, de perguntas e respostas, existiam naquele ano 3040 e neste 2951 etc. De livros de texto para o ensino, constam gramáticas gregas e latinas, livrinhos para caligrafias e de ABC. Literários, há as Fábulas de Esopo, os "Colloquia" de Ludovico, a História do Príncipe Maurício, a Tomada de Wesel, as "Flores Poetarum" e as poesias de Barleus, o futuro historiador do governo do Conde de Nassau. Aquele livrinho de perguntas e respostas de que se guardavam no Recife 3040 exemplares em 1643, talvez seja o que foi impresso em Enkhuisen em 1641 ou 1642, destinado ao ensino religioso dos indígenas brasileiros, do qual não se encontrou até hoje um só exemplar na Holanda. Elementos biográficos: muitas informações importantes e inéditas para a série de biografias dos Restauradores de Pernambuco, empreendida pela Universidade do Recife, foram recolhidas. Entre elas várias indicações acerca da atividade comercial de João Fernandes Vieira, sobre a qual muito pouco se sabia; dele levo ainda cinco cartas autógrafas todas inéditas. Há ainda algumas cartas escritas em holandês e assinadas por André Vidal de Negreiros, também em originais; uma nota do governo flamengo no Recife esclarece que a letra das cartas era de Hoogstraten. Microfilmadas foram ainda as cartas tupis de D. Antônio Filipe Camarão e de alguns subordinados seus, visando a torná-las conhecidas dos estudiosos, na forma mais segura para a sua leitura e interpretação. Outras foram igualmente recolhidas por estarem assinadas pelo autor da Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil, pelas quais se vê que seu nome era Nyhov e não Nieuhof. Estudos de paleografia: textos variados da letra gótica holandesa do século XVII foram compilados, com o propósito de ensino universitário, para leitura dos manuscritos agora microfilmados. Parece-me que a Universidade do Recife deve divulgar o ensino da língua holandesa entre os estudantes de história da Faculdade de Filosofia, de onde devem sair os futuros historiadores do Nordeste, de modo a manter vivo o exemplo que nos legou o ilustre Professor da Faculdade de Direito José Higino Duarte Pereira. O conhecimento do holandês deve constituir uma especialização pernambucana na formação universitária de história dessa Universidade. Com esse fim é que foram reunidos textos paleográficos seiscentistas. Ao concluir renovo a Vossa Magnificência as expressões de meu profundo respeito.

Fonte: MELLO, José Antonio Gonçalves de. Diário de Pernambuco. Recife, 4 e 11 mai., 1958."
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¹Gerard A.C. Blok, Pieter Post 1608-1669, der Baumeister der Prinzen von Oranien und des Fürsten Johann Moritz von Nassau-Siegen (Siegen, 1937). Entretanto há uma evidência (a única!) de que Pieter Post esteve em Pemambuco: uma lista de venda de escravos em 5 de maio de 1639 no Recife relaciona "Heer Pieter Janssen Post tot sijn dienst" a comprar dois escravos para seu serviço: Alg. Rijksarchief (Haia), Companhia das Índias Ocidentais, maço 54.

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