domingo, abril 29

design nos primordios digitais...

leia esta interessante (para os novatos) e saudosa (para os da velha guarda) descrição de nossos primordios em edição gráfica... obtida no site da Solução Gráfica Design.

"Recebi esta pergunta via site da Lygia:

"Estou fazendo meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) em computação gráfica e estou pesquisando como as gráficas trabalhavam antes da existência do Corel Draw (imagino que era de forma manual, como arquitetos e engenheiros), e lendo sobre a sua história, vi que você cita o fim da arte-final manual. Poderia me explicar como era o trabalho de gráficas antigamente?"

Lygia, eu peguei o finzinho da transição entre manual/analógico para automático/digital. Em 1992 eu trabalhei em uma agência de publicidade (Programa, do Valdenê Amorim - CBN) e foi lá que eu, aprendiz (como na idade média) de um rapaz chamado "Boi", aprendi a preparar as artes para impressão gráfica e anúncios em jornais e revistas.

Conta-fio
Conta-fio
Naquela época, eu estava cursando o CLA do José Tanus, em Campinas, SP. Estudava desenho artístico e publicitário e aerografia. Qualquer pessoa que desejasse trabalhar com publicidade naqueles dias, normalmente cursava Publicidade na PUC e complementava a parte prática com os cursos do CLA. Destreza manual e noções de desenho eram imprescindíveis para quem pretendia ser arte-finalista.

Vou dar aqui um exemplo de como se fazia uma página de jornal. Você pegava uma prancha de cartão triplex no tamanho exato do jornal, colocando 4 a 5 centímetros de margem. Fixava a lâmina de cartão com uma fita crepe em uma prancheta. Riscava a grade usando régua T e esquadro com lapiseira azul, que não era capturada pelo fotolito mecânico. Percebe a relação? É por isso, por tradição, que as guias dos programas gráficos são normalmente em ciano (azul).

Pronta a grade, com as marcações das colunas e dos espaços entre elas, chegava a hora do past up. Past up consistia em colar, com cola de benzina (depois a cola de bastão PRIT, o que já foi uma revolução) as lâminas de texto previamente encomendadas a terceiros que faziam o serviço de fotocomposição. Os textos chegavam impressos em um papel fotográfico, no tamanho das colunas previamente definidas pelo projeto gráfico do jornal. Então você precisava recortar com estilete aquelas tiras e ir ajustando as colunas nos espaços. Na maioria das vezes era necessário cortar e colar as últimas linhas ou mesmo letras, forçando um kerning maluco para que as colunas ficassem alinhadas e justificadas. Imagine o trabalho.

Não havia muitos tipos. Ou era Helvética, currie ou times. O padrão era letras com serifa para o texto e letras sem serifa para os títulos. Se você quisesse uma letra diferente, ou em um corpo acima do catálogo da fotocomposição, você precisaria recorrer a Letraset. Letraset eram laminas de plástico transparente com centenas de letras repetidas para serem decalcadas na arte-final. Se você errasse, tinha que raspar o papel com a gilete ou com guache branco. E olhe que Letraset já era um avanço. Em conversa com profissionais mais experientes ouvi dizer que antes dessa "inovação", eles tinha que procurar em outros impressos pelas letras necessárias para compor um título. Imagine só que loucura, as agências tinham que estocar revistas para ter de onde tirar os tipos. E mesmo a fotocomposição era uma revolução. Antes era apenas tipografia, que imperou desde sua invenção por Gutemberg e é usada ainda hoje.

Fotocompositora
Fotocompositora
As fotos eram um caso a parte. Era necessário recortar pedaços de cartolina preta no tamanho da foto que iria colocar ilustrando a matéria, no caso de fotos coloridas. Era uma máscara para o fotolito mecânico. Então, você pegava a fotografia, e no verso, indicava como queria o corte da foto. Fotos branco e preto você enviava para terceiros que lhe retornavam uma foto já reticulada em papel fotográfico. Aí era só só recortar e colocar na arte-final.

Muitas vezes era preciso fazer fios, box ou outros elementos gráficos. Aí entrava em cena a caneta nankin. Havia várias, normalmente de 0.3 e 0.5 mm. Áreas negras irregulares eram preenchidas com nankin também. Se fosse necessário criar tons cinzas, então você recorria a retículas da LETRASET (folhas de plástico transparentes decalcáveis com potinhos minúsculos criando a ilusão ótica de tons de cinza contínuos), em áreas irregulares, ou indicava com a lapiseira azul a porcentagem de preto que você queria naquela região. Para fazer isso, você colocava folha de papel transparente cobrindo toda a superfície da arte-final. Era nessa folha que você dava indicações para o fotolito, como as áreas reticuladas.

Quando tudo estivesse pronto, você juntava as fotos e a arte-final com clips e enviava ao fotolito. O fotolito então fotografava a arte final, gerando um negativo. Em seguida, usava uma tinta espessa e vermelha para cobrir um zilhão de buraquinhos brancos que se tornariam pontos pretos na impressão. Esse trabalho era feito em mesa de luz. Estes profissionais recortavam as áreas agora transparentes do filme, com estilete e durex, que você havia originalmente indicado com cartolina preta, e colocavam os negativos das fotografias que havia solicitado. Esses negativos eram gerados a parte, para gerar os negativos reticulados.

Depois o fotolito era revisado e enviado à gráfica que usava o negativo e gerava um positivo em uma placa de alumínio. Essa placa de alumínio por sua vez era enrolada em um cilindro na impressora off-set. O conteúdo da placa era então transferido para um outro cilindro de borracha que recebia a tinta que era transferida para o papel, como um carimbo.

Em suma, esse era o processo em 1992. Se a arte fosse colorida, o trabalho era quadruplicado e o fotolito custava uma fortuna. A arte-final não mudava tanto, você apenas tinha de indicar as cores que queria na sua lâmina e as porcentagens. Mas o fotolito tinha que decompor sua arte nas quatro cores (ciano, magenta, amarelo e preto) e gerar quatro lâminas para impressão. Era muito comum falhas de registro, já que tudo era manual. Falha de registro ocorre quando as cores não "casam" perfeitamente, gerando espaços brancos entre as chapas. Observe que em artes coloridas, a mesma folha tinha de ser impressa quatro vezes.

Ai surgiu o Ventura Publishing da Xerox. Este software, junto às impressoras a laser que barateavam, mataram as empresas de fotocomposição. Agora você mesmo produzia seus textos e títulos. Imprimia em papel sulfite e fazia sua arte-final como antes. Mas as primeiras impressoras só alcançavam 300 dpi, então a fotocomposição sobreviveu mais um pouquinho.

Offset Bicolor
Offset Bicolor
Em seguida, surgiram as fotocompositoras a laser que aniquilaram o fotolito mecânico, a arte-final manual e o layout. É o processo atual. Você cria no computador, no Corel Draw ou no Indesign, imprime uma cópia para o cliente aprovar na sua impressora colorida e manda o arquivo para a empresa de fotolito. Ela pega o seu arquivo e gera as lâminas do filme, diretamente em uma impressora especial chamada fotocompositora a laser.

Esqueci de mencionar como era o processo de layout, que precedia o de arte-final. Imagine a capa de uma revista. Bom, aqui você precisava saber desenhar MESMO. Pegava-se uma folha de papel, que variava de acordo com a complexidade da arte. Podia ser um sulfite comum ou até um Hans Schoeller importado. E então desenhava a capa ilustrando as pessoas das fotos, os títulos, e indicava o texto com traços. Enviava ao cliente para aprovação, que normalmente retornava a arte com alterações. Você atendia e enviava novamente, até que ele aprovasse para você fazer a arte-final.

Observe que o desktop publishing barateou custos, mas tornou obsoletos profissionais qualificados. Alguns conseguiram migrar para a nova realidade, outros desapareceram no vácuo darwiniano do progresso. Outra coisa: arte-finalistas, técnicos de fotolito, ilustradores, layout mans, todos esses profissionais foram fundidos em um único, o piloto de Corel Draw. Infelizmente, ele não ganha por três, apesar de fazer o trabalho dos três...

Por outro lado, a automatização de processos manuais abriu as portas para o processo criativo. Pessoas sem talento para o desenho puderam entrar nos corredores secretos da criação publicitária. Claro que houve um custo, basta olhar a qualidade dos impressos por aí. Porém, essa queda acentuada de qualidade despertou a necessidade para cursos de Design Gráfico, hoje tão comuns em nível técnico como universitário.

De qualquer forma, como as boas escolas salientam, é sempre bom fazer um curso de desenho. Dominar programas gráficos sem ter noções básicas de composição, desenho, perspectiva, teoria das cores, etc, é como construir uma casa sem planta. É a diferença entre o pedreiro e o engenheiro-arquiteto.

Outras fontes de informação:

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